Crônica: 22º



Não costumo andar olhando pra cima, normalmente tenho que me concentrar muito nos meus passos e me esforçar pra não tropeçar e cair no meio da calçada; mas nesse dia, eu prestava atenção no céu, minha concentração estava no alto, fora daquela multidão, fora do barulho que é a Praça da República umas cinco da tarde. Era uma sexta, a tarde era cinza mas com um clima agradável daquele tipo nem muito frio nem muito calor, o dia estava bom.
Um pouco mais pra frente de onde eu parei para esperar minha carona, tinha um grupo de uns oito jovens que não deviam ter mais que 20 anos. Enquanto alguns andavam de skate na Praça, uns dois fumavam maconha  e todos dividiam uma garrafa de vinho barato. Falavam sobre as vezes que foram pegos com latas de tinta e sobre manobras para conseguir pintar aquele cantinho mais alto do muro.
De repente eles se animaram, pararam o que é que seja que eles faziam e agora olhavam pro alto.  Acompanhei o olhar para entender o que eles tinham visto, e eu o vi também. O vi escalando o prédio, se pendurando nas janelas e canos vestindo somente uma bermuda escura e uma camiseta verde. Nenhum equipamento de segurança nem mesmo uma luva ou uma corda, tudo que estava pendurado com o rapaz era a mochila que, segundo conta a conversa alheia, continha três latas de tinta spray branca.
“Coquinho” era o nome do aventureiro. E ele subia aquele prédio com uma facilidade inacreditável. Ele foi de uma vez, sem se importar com a altura, até chegar ao vigésimo segundo andar. Lá ele parou, olhou pra baixo e achou seus amigos que ainda vibravam com sua escalada. Pendurado do lado de fora da janela do vigésimo segundo andar, Coquinho começou a pintar sua arte. Com aquelas letras características ele foi escrevendo seu nome e despertando interesse de quem passava na rua também.
Depois de uns dez minutos, sua arte estava quase pronta quando acabou a primeira lata de tinta. E depois foi tudo muito rápido. Coquinho escorregou tentando alcançar sua mochila e caiu quase que em câmera lenta de janela que se pendurava no vigésimo segundo andar. Um grito preocupado saiu da garganta de um dos jovens que torciam por Coquinho e todos estavam sem reação.
Demorei alguns segundos pra perceber que minha carona tinha chego e entrei no carro olhando para trás tentando assimilar o que eu tinha acabado de ver. Ouvia as pessoas na rua comentarem sobre o quão merecido foi o acidente já que ele estava destruindo o prédio. E de alguma maneira, eu voltava pra casa pensando que o único erro de Coquinho foi ter se dedicado demais ao que ele acreditava tentando mostrar pra São Paulo inteira sua marca registrada ao redor da cidade.


Isabela Gil


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